A Banca em profunda disrupção. Assistiremos a um momento Kodak? | Artigo de Tiago Fleming

Partilhamos consigo um artigo de Tiago Fleming, Diretor de Marketing e Comunicação do Banco Carregosa e Membro da Direção da APPM.

 

Há muito que não se assistia, pelos incumbentes do mercado, a uma dinâmica competitiva tão feroz e disruptiva como nos dias de hoje no setor financeiro. Os bancos (tradicionais), cada vez mais, não são os únicos owners da relação patrimonial financeira com os seus clientes. Várias instituições, sejam elas fintechs, bigtechs ou mesmo os neobanks, todas assentes em bases tecnológicas na prestação dos serviços bancários e na relação com os seus clientes, aterraram no mercado ameaçando o futuro de muitos players seculares.

Vários artigos e estudos de opinião da especialidade apontam que a estratégia dos incumbentes, para continuarem nesta indústria, com relevância perante os seus clientes, terão, forçosamente, que passar por um novo posicionamento face a uma nova realidade, que em muitos casos não dominam. É inevitável para os bancos a necessidade imperiosa de se modernizarem e de reformularem estruturalmente os seus modelos de negócio. Os que nada fizerem terão, seguramente, os seus dias contados.

Portanto, para vencerem este novo desígnio da 4ª revolução tecnológica, os bancos terão de sofrer profundas transformações que passarão, entre outras, pelas seguintes temáticas chave:

 

Adotar uma nova abordagem face à realidade das Fintechs, Bigtechs e os Neobanks.

Os novos players digitais não poderão, do meu ponto de vista, continuar a ser vistos pelos players tradicionais como uma ameaça (que o são se nada fizerem), mas sim como uma enorme oportunidade para se manterem atuais e relevantes nas relações com os seus clientes. O estabelecimento de parcerias, ou mesmo, os processos de aquisição destes novos atores, muitos deles over-the-top, será uma das soluções chave para a reinvenção da banca. A título de exemplo assistimos em 2019, a uma enorme quebra de uma das principais fontes de receitas, até então exclusivas dos bancos, com a Diretiva Europeia de Pagamentos, vulgarmente conhecida por PSD2, que levantou mais uma enorme barreira à entrada destas novas instituições. Estes passaram a aceder, em tempo real, com consentimento dos clientes, à gestão das contas à ordem e à intermediação das transações financeiras.

Atualmente já atuam no mercado financeiro grandes marcas tecnológicas como por exemplo as GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon), Hello Bank, N26, Revolut, Monzo, Monese, etc. Estes atores digitais têm uma enorme vantagem competitiva face aos incumbentes uma vez que passaram a ter, agora, uma visão transversal dos clientes, que passa para além da informação social, comportamental e de consumo, a vertente financeira e patrimonial, que lhes permite apresentarem um product market fit perfeito das suas propostas de valor face aos segmentos de mercado a que se dirigem.

Por outro lado, estes born-digital players têm no seu ADN uma enorme vocação de escalabilidade e de capacidade de adaptação continua às necessidades que o mercado vai exigindo em cada momento, com muita agilidade e com processos de criação e desenvolvimento de serviços com time-to-market cada vez mais curtos.

 

Entregar valor com base num novo padrão de comportamento dos Consumidores, na omnicanalidade e na transformação digital.

Estas instituições disruptivas, por força dos seus modelos de negócio, com propostas de valor diferenciadoras e verdadeiramente customer oriented, assentes numa relação digitalizada, têm criado uma profunda pressão à banca tradicional, uma vez que cada vez mais os clientes exigem ter o seu banco, para uma larga maioria dos serviços, na palma da mão, através de smartphones ou tablets. Esta nova realidade digital está a mudar o paradigma da indústria bancária uma vez que tem criado elevadíssimas expetativas e índices de exigências, jamais vistas por parte dos clientes, não só das novas gerações nativas digitais, mas também dos digitais migrantes que têm, cada vez mais, adotado as soluções digitais disponíveis no mercado.

Hoje ter uma relação com um player bancário digital já não é só uma questão de afirmação social ou de posicionamento tech-savy & cool. Os clientes bancários atualmente selecionam seus fornecedores de serviços bancários na medida do benefício que cada um destes, individualmente, lhes apresenta em termos da qualidade da gama de oferta de serviços vs pricing, muitas vezes gratuitos, pela comodidade, pela mobilidade, pela simplicidade e facilidade nos processos de relação e ainda pela experiência de utilização face às suas necessidades de consumo.

Para disputarem o mercado, nesta nova realidade, os bancos tradicionais estão a ser pressionados, pelos clientes, para investirem consideravelmente em inovação tecnológica como alavancas de transformação digital. Terão de apostar em modelos de negócio globais e escaláveis, obterem ganhos de eficiência e produtividade e iniciarem restruturações profundas de desmaterialização dos canais físicos. A banca deverá ainda iniciar processos de cibersegurança e de proteção de dados como plataforma de segurança perante os seus clientes. Igualmente crítico, a banca tem de avançar rapidamente com projetos de Business Intelligence através de análise e tratamento de dados, análises preditivas avançadas, modelos de inteligência artificial, deep learning, etc., que lhe permita identificar as necessidades, deter melhor informação para a tomadas de decisão, aperfeiçoar a experiência e o envolvimento dos clientes, gerar melhores resultados das ações de marketing e principalmente impactar positivamente o negócio, a rentabilidade. No fundo, dotar as marcas bancárias de propostas de valor que os consumidores verdadeiramente apreciam e esperam nesta nova realidade de serviços financeiros.

Ainda que aparentemente pareça colateral, por força da entrada destes novos players digitais, será cada vez mais crítico assegurar, para proteção de todos os stakeholders, que a legislação e a regulação do setor financeiro seja a mais adequada e ajustada às continuas transformações dos modelos de negócio e correspondentes produtos e serviços financeiros disponibilizados pelos bancos e parceiros tecnológicos. Todos os clientes, no que respeita ao seu património, em particular o financeiro, pretendem que as instituições de regulação e de supervisão, e correspondentes sistemas de controlo, funcionem e cumpram o seu papel de proteção, segurança e integridade e sustentabilidade do sistema. Contudo, para que não assistamos a desvantagens competitivas entre os bancos e os novos players digitais do mercado, ambos deverão operar no mercado com regras idênticas. Os bancos deverão, portanto, exigir a neutralidade de regulação e de supervisão, independentemente do tipo de operador, criando assim condições chave para que as novas instituições digitais se insiram dentro das mesmas regras. Caso contrário esta dicotomia será um autêntico obstáculo à capacidade competitiva por parte dos incumbentes.

 

Como notas finais deste artigo, assumo que continuo a acreditar que a banca tem tudo para sobreviver neste tsunami tecnológico. Tal como a UBER, quando chegou ao mercado, forçou a indústria dos táxis a melhorar o seu serviço, as fintechs, bigtechs e os neobanks estão exatamente a fazer o mesmo com a banca. Quem ganha são os clientes.

Os incumbentes terão, portanto, sem qualquer margem para dúvidas de se adaptarem a uma banca “4.0”, com novos players e clientes cada vez mais exigentes. A banca está forçada a eliminar, de uma vez por todas, os bias e as ortodoxias com as quais viveram nas últimas décadas e terão de continuar a apostar na segurança, na credibilidade das marcas e acima de tudo afirmar-se com tecnologias disruptivas, assentes em modelos de negócio que apresentem verdadeiras propostas de valor diferenciadoras face às novas necessidades e dores dos clientes, que não querem pagar por serviços que consideram ser commodities e sem valor acrescentado.

Parafraseando o João Pinto, «prognósticos só no fim do jogo», admito que o futuro desta apaixonante indústria (ainda) está por decidir!

Cabe, portanto, aos bancos tradicionais, assumirem a liderança do processo da 4ª revolução industrial associada aos serviços financeiros para não serem os próximos “momento Kodak”.