O zapping da vida, compromisso procura-se | Artigo de Nuno Santana

Esta Era digital não mudou só a forma de comunicar, mudou de uma forma drástica a maneira como vivemos.

Segundo o site Statista, em 2018 os utilizadores de redes sociais em Portugal passam cerca de duas horas por dia ligados. Nas Filipinas e Brasil ronda as quatro horas e no Japão e na Alemanha cerca de 40 minutos. Se num passado recente vivíamos stressados com falta de tempo, entre a família, o trabalho, os amigos, o desporto e os hobbies, hoje a nossa vida tornou‑se socialmente “esquizofrénica”.

Com a idade dos meus filhos só havia duas maneiras de me contactarem – pelo telefone fixo ou, simplesmente, tocarem à campainha de casa. Hoje são dezenas as formas como nos podem contactar. Lembro‑me de que com a idade deles as referências eram o Herman José, a Teresa Guilherme, o Carlos Pinto Coelho entre outros, mas eram poucos. Hoje os nossos filhos têm milhares de conteúdos a influenciá‑los ao minuto. A velocidade que o Digital imprimiu no Mundo mudou‑nos o comportamento de uma forma drástica, não só aos meus filhos, que são “digital natives”, mas também a nós. Tornou‑se tudo, de uma forma assustadora, imediato.

Atualmente vivemos num mundo de clicks. Partilhamos emoções com um click, adicionamos amigos com um click, criamos inimigos com um comentário, e adivinhem… deixamos de ser amigos com um… click. Mais grave do que isso, sinto que nesta geração a “métrica” de alguns “millennials” é o número de seguidores que têm, por vezes sem relevância nenhuma. Oiço frequentemente aquele tem 200 000 mil seguidores e por vezes sem sabermos quem é, o que é que faz ou o que construiu.

O “agora” desta geração é vivido tão rápido, que até nos obriga a comprar a calma do momento! Como é que isto foi acontecer? Compramos mind fullness em todo o lado. Precisamos de parar? Temos a App que nos obriga a “meditar” dez minutos por dia, e mesmo assim somos interrompidos pelo time off do telemóvel que nos diz que chegou a hora de dormir, enquanto pensamos que amanhã temos uma grande jantarada naquele spot a que queremos mesmo ir, mas “oops” íamos começar aquela dieta, que todas as pessoas fazem, e temos aquela conference call às 9h mesmo depois de termos deixado os miúdos na escola.

As agendas deixaram de existir, os encontros, as reuniões combinam‑se no próprio dia a distância de um voice memo, assim como se desmarcam através de um simples whatsapp de texto. Este “zapping” na vida provocado essencialmente pelo digital levou‑nos a uma mudança de comportamento em todos os “touch points” seja na vida pessoal ou profissional . Onde está o compromisso, onde é que vamos parar?

Cada vez, e de uma forma mais acentuada em função das gerações, existe menos compromisso, seja no talento, nas nossas organizações (com as gerações mais jovens em que é normal que numa semana estejam altamente motivados e na semana a seguir se despeçam porque não estão “felizes”), ou no briefing que recebemos para fazer um evento em que investimos 500 horas e o cliente afinal mudou de ideias e, por vezes, nem sequer atende o telefone ou simplesmente no jantar que marcamos com amigos que duas horas antes inventam a desculpa de que não arranjaram babysitter. Até nas relações, o Tinder veio revolucionar os momentos mais íntimos, é só clicar…

Nesta nova era, onde muitos não conseguem planear o próprio dia, pois andam à mercê do que lhes apetece no momento devido ao bombardeamento de informação que lhes chega através de todos os meios que visualizam, das mil solicitações dos amigos, daquela viagem, da ida ao sunset, falsa ideia que tem acesso a todos os eventos ou viagens, só porque os visualizam e igual a ideia de atingirem objetivos sem planos… confesso que é uma dinâmica que me faz confusão.

As pessoas têm um novo sentido de urgência gerado pelo imediatismo das redes sociais. Tudo se está a tornar descartável, tudo é imediato. A ansiedade de experienciar é tão grande que, por vezes, se esquecem de o fazer. Estamos cada vez mais ansiosos porque o nosso cérebro não está preparado para esta mudança que em apenas 15 anos alterou por completo a nossa forma de viver. Basta analisar a venda mundial de anti depressivos.

Esta tendência na forma como nos relacionamos com o compromisso está a mudar a Sociedade, diria mesmo que está a mudar o Mundo, o que antes dizíamos que era falta de educação, hoje é o zapping da vida.

Nuno Santana Diretor da Niu
Publicado originalmente no site: Event Point International*